O impacto do fechamento das fábricas da Ford para a economia nacional.

Eduardo Poloni, CEO da Pazan

Por Silvia Pereira

O Brasil representa apenas 3% dos negócios do segmento automotivo mundial, e enquanto isso, continua rendendo pano pra a manga a saída da Ford do Brasil. E por conta disso, o mercado financeiro e o setor produtivo estão em rebuliço. É o que nos conta Marcus Azen, sócio da mesa proprietária Critério, que diz que o que define a saída da Ford do Brasil se resume em saber fazer conta. Ou seja, com a notícia do encerramento da Ford por aqui, a cotação da montadora subiu 3% no mercado de ações de Nova York.

Isso significa, de acordo com ele, que a empresa lucrou com a decisão de continuar sua produção na América do Sul, mas apenas na Argentina e Uruguai, onde os custos são muito baixos, com moedas muito fracas em relação ao dólar, e que o Brasil vai vender somente carros importados.

Para entender melhor essa contextualização, conversei com vários especialistas do setor automotivo, que irão, numa série de reportagens, analisar esse cenário de colapso econômico no país, agravado pela pandemia e que gerou o fechamento das fábricas da Ford no Brasil, mais precisamente as operações nas plantas de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e da Troller (em Horizonte, CE) ainda em 2021.

Segundo a avaliação de Eduardo Poloni, da Pazan, nosso primeiro entrevistado da série, o fato de a montadora haver fechado só no Brasil e permanecer atuando nos vizinhos Uruguai e Argentina se baseia na produção de modelos diferentes focados em cada um desses países.

Ele explica ainda que, no Brasil, vinha produzindo carros de passeio e de pequeno porte, perdendo mercado há anos e enfrentando as condições tributárias e de custos fixos, e que já nos vizinhos sul-americanos, os gastos são mais baixos, o que pode, sim, ter pesado na decisão em deixar o país.

Qual a relação entre a saída da Mercedes-Benz no final do ano passado, que também deixou de produzir carros no Brasil, e agora o encerramento das atividades da Ford?

Eduardo Poloni – Considero movimentos bem isolados. A Mercedes-Benz sempre teve vocação para veículos pesados, com expressiva produção no Brasil. O forte da Mercedes-Benz no segmento de passeio é a importação de veículos, com nicho bem definido.

A Ford inaugura uma nova era, que é a tecnológica. Aqui no Brasil houve dificuldade em a fábrica adaptar-se?

A Ford está passando por mudanças estruturais, mundiais. Incremento da produção da China, busca de mercado com venda de veículos de maior valor agregado. A meu ver houve, nesse momento, uma realocação de investimentos em nível mundial. Aqui no Brasil a produção encontrava-se restrita e com capacidade de fábrica ociosa, considerando os efeitos da pandemia, inclusive.

Até ponto o custo Brasil influiu nessa decisão de fechamento da Ford e de encerrar sua produção no Brasil?

Não há como negar a questão do custo. Setor automotivo, como citado pelos representantes do Governo Federal, já colheu grandes frutos no Brasil, porém há tempos que os mais diversos segmentos da indústria apontam a carga tributária e os custos fixos como eventos que inviabilizam a atividade fabril nacional. Eterno desafio para o governo brasileiro.

Carros elétricos e híbridos fazem parte da reestruturação da Ford para seu recomeço com base em sua matriz nos Estados Unidos?

Esse segmento está na mira de todas as montadoras de veículos. Será um desafio para o Brasil também pois os modelos que começam a despontar no mercado não têm preços atrativos, justamente pelos mesmos motivos apontados acima. As condições para financiamento ao consumidor final podem contribuir para o crescimento deste segmento, mas algum incentivo precisa ser criado no aspecto tributário. Híbridos e elétricos custando acima de R$ 100 mil ao consumidor final, fica difícil acreditar em crescimento do mercado. Não podemos esquecer que o Brasil representa apenas 3% dos negócios do segmento automotivo mundial. Ou seja, apesar do nosso contingente populacional, apenas uma pequena fatia da população acessa esse mercado, seja qual for o modelo, marca, motorização etc.

As reformas tributária e administrativa que ficaram engavetadas pelo governo brasileiro podem ter sido o estopim para a decisão do fechamento da Ford?

Certamente pesaram no contexto da decisão, entre outros fatores que citamos acima.

Qual é o plano da Ford para manter seu negócio sustentável para os próximos anos na indústria automobilística?

Pelo que temos acompanhado, o foco será em veículos de grande porte, com maior valor agregado. Segmento dos SUVs e picapes seguem como promissores, além da tendência natural para o mercado de híbridos/elétricos.

Qual o panorama que a indústria automotiva enfrentou no Brasil nos últimos anos?

Durante a era Lula, a oferta de crédito X poder aquisitivo da classe média-baixa impulsionou os números do setor. O apelo dos modelos populares trouxe a falsa impressão de que o mercado decolaria e manteria números mais atrativos. Várias montadoras estrangeiras se instalaram no Brasil, enquanto as montadoras locais se debatiam entre portfólio de produtos mais adequados ao mercado. A meu ver, houve uma grande aposta em veículos de menor valor e grande parte do consumo passava pelo crédito. Com o ciclo de crise, iniciado em 2014, no Governo Dilma, apesar de alguns subsídios, a indústria, de um modo geral, percebeu que essa conta chegaria. E o resultado está aí – consolidação mundial de marcas e operações, crédito restrito e a reavaliação do Brasil como mercado consumidor modesto. Ainda existem alguns players asiáticos que apostam no mercado consumidor brasileiro, a longo prazo. A Ford desistiu, depois de 100 anos no mercado brasileiro.

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