O mundo real sempre foi essencialmente plural em sua origem, mas durante séculos foi mascarado por uma série de imposições criadas artificialmente por uma cultura de exceção às chamadas minorias. Isso deve-se muito ao poder econômico na formação da maioria das sociedades, onde sempre foi conveniente calar a voz de mulheres, negros ou de qualquer outro segmento que colocasse em risco a supremacia das elites que se perpetuam até hoje, em alguns lugares, sob a crença da segregação.
Mas os tempos começaram a exigir transformações de maneira global e com isso levaram o próprio mercado a sofrer uma revolução de mudanças na coordenação de expectativas, pressionado por uma sociedade cada vez mais aguerrida pela reivindicação de direitos civis em todo o planeta.
Do voto à institucionalização de uma data de comemoração da Consciência Negra, foi um grande caminho percorrido, e, atualmente, no campo profissional, as empresas disputam o ISO de assinatura da diversidade em suas marcas, atingindo em cheio também seus quadros funcionais. Com esse posicionamento, as empresas buscam abrir um canal de diálogo com a opinião pública, mais precisamente com seu público-alvo e consumidor de seus produtos e serviços.
Porém, a despeito de toda essa luta interna entre colaboradores e corporações de vários segmentos e tamanhos, sobressaiu-se uma tradicional senhora de mais de um século de existência.
Estou falando da Light, uma das maiores empresas de energia elétrica do país, que tem sede na cidade do Rio de Janeiro e que oferece serviços de distribuição, geração e comercialização de energia para mais de 30 municípios do estado fluminense, onde vivem mais de 10 milhões de pessoas.
Para se ter noção do que isso representa, é só atentar para dados que apontam e aferem que a chegada da companhia ao país elevou em 60% a nossa capacidade no setor elétrico.
Hoje, o Grupo Light é uma holding que controla cinco empresas: Light Serviços de Eletricidade, responsável pela distribuição de energia; Light Energia, que cuida da geração de energia; Lightcom, na área de comercialização de energia; Light Conecta, responsável por geração de energia e serviços; e Light Soluções em Eletricidade, que atua na área de serviços.
Mas vamos entender melhor qual é a marca que essa gigante imprime em sua política interna de relacionamento, quando o assunto são seus funcionários e colaboradores.
Segundo dados de estudos realizados por várias consultorias da área empresarial, a chave para o desenvolvimento e sucesso de uma empresa de qualquer ramo e porte define-se pela boa atuação de um RH competente, com um olhar engajador ás diferenças e à diversidade de oportunidade e equidade, voltados para todos os seus funcionários.
Para validar essa constatação, fui ouvir três funcionários negros que exercem, no Grupo Light, cargos de liderança ou de destaque, e conversaremos, a partir de agora, sobre suas trajetórias dentro da companhia.
Mas não posso abrir essa pauta sem fazer uma breve apresentação do nome mais emblemático e popular que representa a Light, tanto nas comunidades pobres do Rio de Janeiro, que são as favelas, como também no poder público em suas várias esferas de comando.
Raimundo Santa Rosa
Ou simplesmente Santa Rosa, o popular baiano-carioca mais famoso do mundo corporativo da diversidade do Rio de Janeiro. Sim, e digo isso porque ele foi o primeiro negro a exercer um cargo executivo na Light, empresa em que trabalha desde a década de 80.
Além de uma formação acadêmica em Pedagogia, ele se especializou em história da África. Tem uma militância invejável de mais de 50 anos em prol da cultura negra no Rio de Janeiro, com frutos relevantes, dentre outros feitos, a criação de dois blocos carnavalescos dedicados à cultura e religião de matriz africana.
Mas não fica só por aí, não. Na política, onde goza de grande prestígio, Santa Rosa já atuou como secretário de Esporte Lazer, Turismo, e Cultura em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. E para não me estender muito, vou fechar com chave de ouro esse pequeno resumo de suas inúmeras aptidões, com mais duas pérolas.
“A prática da diversidade na Light, nasceu junto com a empresa, há mais de um século.”
Raimundo Santa Rosa
Pois é, como se não bastasse, o nosso Santa Rosa também é compositor, e que tem como parceiro nada menos do que o grande cantor e compositor da MPB Raimundo Fagner, que por sinal, é seu xará. E a parceria parece que terá um grande futuro, pois já estão em vias de gravação de uma canção belíssima, que ouvi em primeira mão.
E para finalizar, aponto sua grande paixão: a fotografia. Já exibiu uma mostra de seus trabalhos até no Salão Nobre da Alerj, na exposição Ojú Olhos que na língua de Yorubá significa “Os olhos do rei” ou “Os olhos de Xangô”, em que retratou, através de seus registros, a emoção do olhar de crianças negras.
A sua história se confunde com a da Light, no que se refere à conquista de metas. O que determina essa química?
Eu acredito que seja a visão em comum de entender que o desenvolvimento de uma empresa tem que passar necessariamente por uma sensibilidade social de quem está no comando. E foi nesse sentido que já fizemos muita história por aqui. Recebemos muitas comendas importantes de reconhecimento pelo trabalho de excelência realizado focado em comunidades pobres, até fora do país, como em Marrakesh, no Marrocos, Nairóbi e na Colômbia, na luta pelos jovens negros desalentados, por exemplo. E essa luta não é restrita ao negro, mas é extensiva a todas às pessoas pobres, que de alguma forma, são invisibilizadas e estigmatizadas pelo sistema perverso de segregação e exclusão, em todos os sentidos.
E em quem você se espelha como estímulo para imprimir, em seu trabalho, o espírito da diversidade?
Eu tenho meus ídolos, que geralmente são os atletas que quebram recordes, driblam paradigmas estabelecidos, e que avançam em ações inimagináveis, pois constroem pontes, e ultrapassam barreiras. É o caso de Lewis Hamilton e de Pelé, para citar apenas dois monstros sagrados. Trago esses exemplos sobre os quais, às vezes, me espelho e aplico no meu dia a dia como inspiração, e que influencia também de certa forma pessoas do meu relacionamento, como as equipes de trabalho e até moradores dessas comunidades trabalhadas que se identificam, e a partir daí cria-se a química dessa união, e acontece o milagre de ações bem realizadas.
Como consegue gerenciar tantos projetos sociais, dentro de uma realidade tão complexa como a do Rio de Janeiro?
Bom, pela primeira vez a Light está com uma gestão 100% privada, e a orientação é que esses projetos não sejam apenas de uma gerência ou diretoria, mas sim que tenham as digitais da Light em todas as suas instâncias como marca registrada. Pois essas ações têm que requerer o corpo inteiro da empresa, atuando de forma uníssona, para que possa prosperar e dar certo
Não é fácil, no entanto, mas eu já estou calejado dentro de uma experiência, onde fico de frente realizando um trabalho coeso de equipe treinada, concatenado em convergência com o interesse público, aliando o auxílio governamental, às ações da empresa, em benefício da população.
Como funciona o ambiente de trabalho dentro da Light, com ascensão de cargos no interior de cada setor da empresa?
Eu costumo dizer que a Light, antes de ser moda a diversidade no mundo corporativo, já exercia desde sempre essa boa prática com seus funcionários, pois a empresa funciona internamente premiando a meritocracia, estimulando novos talentos que surgem ainda como estagiários e valoriza seus quadros, independentemente de cor, sexo, religião, etarismo, ou qualquer outra condição.
Roberta Freitas
Roberta Freitas é outro bom exemplo da fala de Santa Rosa sobre a diversidade na companhia. Ela poderia ter dois pontos desafiadores de empecilho que “normalmente” entravariam sua ascensão ao mercado de trabalho, como são os fatos de ser negra e mulher.
No entanto, a Light não só formou em suas fileiras uma menina de apenas 15 anos, que chegou à empresa como sua estagiária, como depois a efetivou, concedendo-lhe todas as oportunidades de aprendizagem, através de treinamentos sucessivos, e a efetivou em seus quadros, estimulando-a sempre e se reciclar, para participar de seleções avaliações internas, e que levaram Roberta a galgar cargos de liderança.
Em 24 anos de Light, qual o trajeto que você teve que trilhar para chegar ao comando, inclusive, de equipes masculinas?
Minha formação acadêmica é de eletrotécnica, e estar na empresa há 24 anos à frente de funções consideradas outrora masculinas, como no início de carreira, quando eu realizava substituição de medidores de energia, além de manobras e escaladas em postes, tudo isso me proporcionou uma bagagem, confiança e domínio muito grandes sobre o que faço hoje, acolhida pelo incentivo que a empresa me deu em todos os sentidos para exercer minha competência.
Comecei aos 15 anos como estagiária na Light e passei por todas as etapas de aprendizagem possíveis. Saí por pouco tempo e fui convidada a voltar à empresa para ocupar um cargo técnico. Antes, porém, fui testada em todos os níveis, recebendo nota 9.8, com provas técnicas e mais duas entrevistas. Entrei como técnica num cargo de predominância masculina, mas tive que aprender a lidar com os desafios dessa tarefa, agora como profissional, onde eu tinha que provar, na prática, o desempenho de realizar, e não ficar apenas no discurso teórico.
Sentiu por algum momento um ranço de machismo, por parte dos homens?
Não, pelo contrário, sentia como uma rede de proteção em relação a mim e eu recebia essa atitude como acolhimento, carinho e reconhecimento, por parte desses companheiros de trabalho. Consegui desenvolver com o parceiro de trabalho uma aliança de entendimento nas tarefas desenvolvidas no dia a dia, à medida que fui galgando postos, até alcançar o sênior de campo, cargo de supervisão técnica, onde liderei um corpo técnico, e tive que me impor para provar minha competência.
Surgiu ainda, um outro cargo de coordenadora do BTI, que seria trabalhar com grandes clientes, onde fiquei por seis meses no cargo, depois migrei como coordenadora de leitura da Leste, onde tenho 120 leituristas sob a minha supervisão, e por aí vai.
Vejo todo esse movimento do meu trabalho, como uma grande responsabilidade, pelo fato de se ter um papel social de inspirar pessoas a entenderem que são capazes também de alcançar o mesmo patamar que eu.
E, para mim, a Light foi essa mola propulsora que me guiou por esse caminho, e até fico emocionada quando falo da empresa, pois a relação é de família, e sempre digo que a Light é a minha casa. Tudo que sei, eu aprendi aqui. A Light me deu a maior oportunidade da minha vida, nunca me discriminou racialmente e nem como mulher; pelo contrário, sempre contei com o estímulo para o meu crescimento profissional, através de treinamentos e reciclagens constantes para capacitar não só a mim, mas a todos os profissionais, que são testados diariamente e que têm a oportunidade também para ascender dentro da empresa.
Djadjingu Quaresma
E para encerrar esse tour sobre negros notáveis da Light, não poderia deixar de fora Djadjingu Quaresma, que faz parte do grande acervo humano na companhia, de pessoas negras que ocupam cargos de liderança ou de destaque, com possibilidade de ascensão.
Djadjingu, pode soar estranho à primeira vista, mas trata-se do nome do analista de patrimônio da Light que é responsável por todo o acervo histórico da companhia. Ele é natural de São Tomé e Príncipe, que fica no golfo da Guiné, África. Mas Djadjingu adotou o Brasil como sua pátria há quase 10 anos.
Começou sua carreira na empresa como estagiário superior de museologia, em 2015, e, logo em seguida, foi efetivado ao time do Instituto Light e Centro Cultural.
Está no quadro funcional da empresa há cerca de 6 anos e veio para cá através de um intercâmbio estudantil, pois trabalhava no museu local, em São Tomé, e descobriu a sua paixão pela área de museologia, mas como não havia essa faculdade em seu país, optou pelo Brasil, até pela proximidade da língua, do idioma e pela cultura.
Formado como bacharel em Museologia pela Unirio, hoje é responsável pelo acervo histórico da Light. Trata-se do Centro Cultura da Light, um belíssimo espaço que tem Djadjingu como um guardião muito comprometido, até pela sua formação acadêmica de museólogo, onde é retratada a evolução e o papel da energia elétrica no Brasil, e que hoje é elemento essencial à vida humana.