Marco Regulatório contra a violência das Torcidas Organizadas no futebol
Alberto Gallo
Especialista em Infraestrutura.
PPED UFRJ
Publicado em: 5 de fevereiro de 2025 às 20:35
O esporte mais popular do mundo está, cada vez mais, se tornando uma espécie de ringue para confrontos de batalha entre torcidas de práticas doentias, acelerando e sinalizando um movimento caótico que precisa ser fortemente contido do cenário esportivo mundial.
O futebol, é indiscutivelmente, o esporte mais popular do mundo, transcende fronteiras, culturas e idiomas. Desde o início do século XX, nenhum outro esporte capturou a imaginação global com tanta intensidade.
Das favelas do Rio, às ruas de Londres, das praias de Copacabana aos desertos do Oriente Médio, o futebol é uma língua universal que une bilhões de pessoas em uma paixão compartilhada.
Mas como surgiu esse fenômeno que arrebata até hoje grandes multidões de adeptos pelo mundo a fora? A ascensão meteórica do futebol como manifestação global, muito se deve à visão de um homem visionário: Jules Rimet.
Nascido em 1873 na França rural, Rimet era um católico devoto que via no esporte um potencial divino para unir a humanidade. Inspirado pela encíclica papal Rerum Novarum, que enfatizava a justiça social e a dignidade do trabalho, Rimet acreditava que o futebol poderia ser um veículo para promover a paz e o entendimento mundial entre os povos.
Em 1904, Rimet ajudou a fundar a FIFA, e foi como seu presidente (1921-1954) que ele realmente deixou sua marca. Sua maior conquista foi a criação da Copa do Mundo em 1930, um torneio que ele imaginava como uma celebração global de unidade e fair play.
Para Rimet, o campo de futebol era um terreno sagrado onde as diferenças locais poderiam ser postas de lado em favor da camaradagem e do respeito mútuo, tão intrínseco ao ideal do esporte.
No entanto, o sonho do futebol que une está sendo severamente testado pela crescente onda de violência que assola o esporte. O incidente recente em Recife, onde torcedores foram brutalmente atacados, incluindo um ato de violência sexual com uma barra de ferro, é um exemplo chocante dessa barbárie.
O confronto entre torcedores dos dois principais clubes de futebol de Recife: Sport Club do Recife e Clube Náutico Capibaribe, mostrou uma batalha campal desumana, digna de bestas sangrentas.
No ano passado, torcedores do Palmeiras, fizeram uma emboscada na estrada, para torcida do Cruzeiro, maior time de Minas, o que resultou em mortes. E o mais curioso é que o time mineiro nem iria jogar no Estado de São Paulo, o jogo seria em Curitiba, e o ônibus estava apenas trafegando pela estrada rumo a seu destino no Paraná.Mas esse não é um problema isolado do Brasil; trata-se de uma epidemia global que ameaça rasgar o tecido social que o futebol deveria fortalecer.
Na Inglaterra, por exemplo, que é o berço do futebol moderno, hooligans há muito tempo mancham a reputação do esporte.
Já na Argentina, as “barras bravas” transformaram estádios em campos de batalha.
E na Turquia, confrontos entre torcidas já resultaram em mortes. Essa violência não é apenas um subproduto infeliz da paixão esportiva; é uma perversão deliberada do espírito do jogo. Assim como na Turquia, há também na Holanda e em países da Asia, ocorrências de eventos trágicos ligadas ao futebol.
O que Jules Rimet e outros visionários imaginaram como uma força unificadora tornou-se, para alguns, um pretexto para divisão e violência.
Torcidas organizadas, que deveriam ser embaixadoras de seus clubes, muitas vezes se comportam como exércitos em guerra, com táticas que incluem emboscadas planejadas e uso de armas.
Para reverter essa tendência alarmante, é necessária uma abordagem de tolerância zero contra aqueles que usam o futebol como desculpa para o vandalismo e a violência.
As autoridades devem tratar esses incidentes não como simples distúrbios, mas como os crimes graves que são. Agressões como as vistas recentemente em Recife, devem ser denunciadas e investigadas como crimes de tentativas de homicídio e atos de tortura, com todo o peso da lei.
É urgente que se estabeleça um marco regulatório no país, com penas severas para torcidas organizadas e para os indivíduos, identificados por crimes e que devem ser banidos dos estádios em caráter permanente.
Além disso, clubes e federações devem ser responsabilizados pela segurança de seus torcedores. Multas pesadas e sanções esportivas, como jogos sem torcida ou perda de pontos, devem ser aplicadas a instituições que falham em controlar seus apoiadores mais violentos.
O Ministério Público tem um papel fundamental a desempenhar, investigando e desmantelando as estruturas criminosas que muitas vezes se escondem por trás das torcidas organizadas.
Contudo, a punição por si só não é suficiente. É preciso um esforço concentrado para educar e reorientar, especialmente os jovens torcedores.
Iniciativas como a Cátedra Guido Schäffer de Esporte, Fé e Cultura da PUC-Rio oferecem um modelo promissor. Ao integrar esporte, espiritualidade e valores éticos, tais programas podem ajudar a formar uma nova geração de torcedores que entendem o verdadeiro espírito do futebol.
O legado de Jules Rimet nos lembra que o futebol pode ser mais do que um jogo; pode ser uma força para o bem no mundo. Seu sonho de um esporte que une nações e promove a paz não é uma relíquia do passado, mas um desafio para o presente.
Em um mundo cada vez mais dividido, o futebol tem o potencial único de construir pontes e fomentar o entendimento mútuo. Essa foi a visão católica de Jules Rimet e que precisamos restituir para uma sociedade de fraternos e não de inimigos do esporte.