É hora de discutir a independência do Banco Central

Por Marcus Azen –  Executive Director na Critério Investimentos

O assunto sobre a Independência do Banco Central está na pauta do dia, tomando conta da atenção na grande imprensa no Brasil, e repercutindo muito acaloradamente entre autoridades do chamado sistema macro- financeiro, principalmente no campo europeu.

Isso porque o governo Lula, recentemente eleito, está travando uma batalha junto com sua equipe, contra as chamadas regras de mercado adotadas pela atual gestão do BC, em relação às taxas de juros praticadas no país.  Se por um lado o governo federal defende uma taxa de juros mais baixa para estimular a economia.  Do outro lado porém, o Banco Central segue mantendo a taxa de juros alta por causa do risco de inflação.

E para colocar mais lenha nessa fogueira, a presidência do BC, a partir de 2021 ganhou sua auto suficiência através da sanção do então presidente Jair Messias Bolsonaro com a Lei de Autonomia do Banco Central.

De acordo com o texto sancionado, o presidente indicará os nomes, que serão sabatinados pelo Senado e, caso aprovados, assumirão os postos. Os indicados, em caso de aprovação pelo Senado, assumirão no primeiro dia útil do terceiro ano do mandato do presidente da República.

Na prática, esse formato pode fazer com que um presidente da República tenha que conviver com dirigentes do Banco Central indicados em mandatos anteriores durante três anos de governo.

É o caso agora do Presidente Lula, com o atual mandatário do BC, Roberto Campos Neto.

Contudo, o público em geral não entende o que está por trás dessa queda de braço, e que por isso é importante atentarmos para o próprio conceito de dinheiro, abordando o tema, evitando a célebre linguagem do “economês” que dificulta a compreensão de quem não é do meio.

Dito isso, vamos buscar historicamente o surgimento do dinheiro não apenas como uma evolução do escambo, mas a partir da necessidade que temos de dar proporção para as coisas, como uma medida de valor, que serve para estabelecer as relações de produção, como compra, venda de bens, serviços e também para estabelecer lastro de patrimônio.

O primeiro dinheiro foi o trigo, quando se usava sacas de trigo como medida de valor.

Depois veio a cevada, pois se engana quem pensa que foi o alemão quem inventou a cerveja, na verdade foram os egípcios, há mais de 5 mil anos.

Mas durante milênios, os sacos de cevada eram a medida de valor, e naquela época se fôssemos comprar alguma coisa, a pergunta seria: “quantas sacas de cevada custa”?

Depois, com o passar do tempo, iniciou-se a uso da prata e do ouro, inaugurando-se assim a Era dos Metais Preciosos.

Para exemplificar essa Era, temos uma passagem na Bíblia, do Antigo Testamento, que narra uma história do profeta Oséias que foi traído por sua esposa, mas que após o episódio, apaixonou-se por uma escrava,

Ele comprou a liberdade dessa escrava, que depois se tornaria sua esposa, pagando 16 peças de prata, e duas sacas e meia de cevada.

O texto foi escrito neste período quando já se usava metais preciosos como medida de valor, e provavelmente ele não tinha todo o valor na forma de metal precioso, e completou o pagamento com sacas de cevada.

Já na Idade Média surgiu o dinheiro de papel, mas era como se fosse um recibo de determinada quantidade de ouro, então todo papel moeda poderia ser trocado por gramas de ouro.

E foi no final da Idade Medieval, é que surgiram os primeiros Bancos Centrais, no modelo do Banco Central da Inglaterra, onde os reis formavam essas entidades bancárias para organizar algum parâmetro entre o que já existia em papel moeda, e o ouro no Tesouro do Rei.

Já no século XX, quando o então Presidente americano Richard Nixon acabou com o padrão ouro, o dinheiro virou apenas um papel, como se fosse um documento contendo uma fração da expressão de valor de tudo que o país tem e produz.

O lastro da moeda de um país não era mais uma determinada quantidade de ouro, mas passou a ser a riqueza que este país tem e produz.

Desta forma os Bancos Centrais mundo a fora, passaram a ser responsáveis por garantir que este papel de fato tenha o valor que ele expressa ter.

Passou a existir um equilíbrio que precisa ser respeitado, pois a quantidade de dinheiro que circula, devendo ser esta a expressão de valor de um país.

E o Banco Central passou a ter essa característica de guardião do valor do dinheiro.

Se um político irresponsável sair emitindo dinheiro sem o correspondente na riqueza do país, isto vai provocar inflação, e se uma conjuntura econômica causar uma recessão teremos a deflação.

Nesse caso, o Banco Central usa a taxa de juros para equilibrar essa equação.

Dito isto, fica a dúvida, quem afinal deve gerenciar esta instituição tão importante, afinal de contas é ela que zela pelo valor de nosso dinheiro.

Se for alguém indicado por um político, vier a corroborar com a leviandade deste político, o pais será levado à falência, isto sem dúvida, é um fato.

Mas, por outro lado, será que todo indicado por um político é necessariamente leviano?

E se for alguém técnico ligado ao mercado financeiro, ele provavelmente será mais habilitado a usar a taxa de juros com assertividade, todavia será que todo mundo ligado ao mercado será correto ao usar essa taxa de juros em favor da nação e não a favor dos banqueiros?

Na verdade, os defensores da independência do Banco Central, acreditam que este seria o mal menor, isto é, entre deixar a chave do cofre com indicados políticos, ou com as escolhas técnicas ligados aos interesses de banqueiros?

Na realidade, o mal menor é deixar a chave do cofre com o pessoal do mercado financeiro. Bem, talvez seja de fato o mal menor, mas não é algo que se possa dizer com tanta segurança.

O problema é que essa discussão está sendo politizada, e ao meu ver essa postura leva ao entrave do próprio debate.

Sim, porque é o tipo da disputa que requer uma mesa redonda, onde haja no mínimo coerência nos argumentos, que é difícil que se encontre num ambiente polarizado.

Até porque, a moeda, como se conhece hoje, vai passar por diversas transformações ao longo dos anos, principalmente pelos avanços tecnológicos em todas as áreas, nos remetendo ao dinheiro digital e suas relações com as Fintechs.

Então, a melhor forma de gestão para o Banco Central brasileiro, ainda é estabelecer o bom e velho diálogo para se chegar a um consenso, onde seja contemplado uma política de estado, que vá além de qualquer governo ou interesses imediatistas de mercado.

Mas infelizmente, me parece, que essas palavras, que se referem a amplo debate, coerência, evolução, estão por enquanto, fora do radar desse país de extremos.

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