É um prazer participar da celebração do Dia da África com os Chefes de Missão do Grupo Africano.
Este ano, as comemorações contaram com debates em que acadêmicos, organizações da sociedade civil, empresários e funcionários de governo refletiram sobre o estado e as perspectivas das relações entre o Brasil e a África.
Sou um entusiasta da relação do Brasil com a África. Fui um assíduo visitante do continente. Como presidente, lá estive doze vezes e visitei vinte e três países.
O mundo de hoje, contudo, não é mais o mesmo de há treze anos, quando concluí meu segundo mandato.
A África não é mais a mesma. Seu dinamismo exige do Brasil que atualize sua política para o continente.
Seria insuficiente simplesmente repetir receitas do passado.
A África é uma das regiões que mais cresce no mundo. Sua relevância no comércio global é expressiva. A Zona de Livre Comércio Continental Africana, que entrou em vigor em 2021, é a maior do mundo. Abrange 1,3 bilhão de pessoas e tem PIB combinado de 3,4 trilhões de dólares.
Nosso comércio bilateral com a África foi, em 2022, um terço menor que o valor de 2013, quando o fluxo chegou a quase 30 bilhões de dólares.
A África é a região do mundo que menos emite gases do efeito estufa. Nem por isso deixa de enfrentar as consequências mais perversas do aquecimento global, como secas, inundações, incêndios e ciclones.
Compartilhamos a responsabilidade de cuidar de florestas tropicais e preservar a biodiversidade. Temos em comum a preocupação de combater processos de desertificação.
A África está no coração das transições energética e digital. Assim como a América do Sul, o continente africano possui importantes reservas de minerais críticos, como lítio e cobalto, que desempenharão papel estratégico.
Vários países africanos possuem planos abrangentes de renovação de suas matrizes energéticas e forte interesse em bioenergia. Países como África do Sul, Marrocos e Quênia estão empenhados em descarbonizar suas economias.
A cobertura de Internet abrange a maior parte da população africana e se multiplicam centros de inovação digital e empresas de serviços tecnológicos financeiros.
São campos abertos para parcerias com países como Ruanda e Nigéria.
Nas discussões sobre saúde global, nossa meta comum é ampliar o acesso a vacinas e a medicamentos. O fortalecimento do complexo industrial da saúde brasileiro pode gerar amplas oportunidades de colaboração.
Há muito a aprender com as estratégias sanitárias africanas. O continente apresentou o menor número de mortes por COVID-19. Foi essencial a experiência de outras epidemias, além da existência de mecanismos regionais de coordenação.
Outros desafios históricos continuam relevantes. Voltaremos a trabalhar juntos para recolocar o combate à fome no centro da agenda internacional.
O Brasil tem condições de voltar a ser o grande parceiro dos países africanos em seu desenvolvimento agrícola.
Por isso, vamos organizar, ainda este ano, nova reunião que trará ao nosso país os ministros da agricultura da África.
Senhoras e senhores,
O relançamento da relação com a África é também um reencontro do Brasil consigo mesmo. Reafirmamos nosso profundo orgulho do papel central do continente na identidade nacional.
Reconhecer o valor de nossas raízes africanas passa por celebrar a contribuição da África em nossa cultura, seja em políticas nacionais, seja em ações de difusão da cultura brasileira no exterior.
Passa, também, por renovar nossos laços por meio da educação, formando uma nova geração de jovens africanos no Brasil.
A história nos legou uma língua que compartilhamos com 60 milhões de africanos e que hoje nos congrega na Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Mas nossa história também registra um passado de violência que jamais poderá ser esquecido.
Podemos honrar nossa herança africana fazendo da promoção da igualdade racial um eixo contínuo ligando políticas nacionais à atuação internacional do país.
Não toleraremos racismo nem contra brasileiros, nem contra africanos no Brasil. Por isso repudiamos com veemência os ataques racistas que o jogador Vinicius Jr, e tantos outros atletas, vêm sofrendo reiteradamente.
Vamos reassumir o protagonismo em iniciativas internacionais em favor de populações afrodescendentes. O ano de 2024 marca o fim da Década Internacional de Afrodescendentes convocada pela ONU. Sua implementação, no Brasil, foi comprometida pelo descaso das autoridades. Vamos propor a prorrogação da iniciativa na próxima Assembleia Geral.
Esse reencontro do Brasil com a África também se dá nos principais temas e foros da atualidade.
Não nos interessa ter o desenvolvimento sustentável esvaziado por disputas geopolíticas que nos são alheias. Não podemos deixar que nos dividam.
Nossa maior força é falar com uma única voz. Mesmo que haja diferenças, nossos interesses comuns como países em desenvolvimento são maiores.
A União Africana é fonte de inspiração para a América do Sul na construção de uma unidade que respeite a diversidade de seus membros.
Vejo com satisfação a retomada da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul com a recente Cúpula em Cabo Verde. A exitosa experiência das duas Cúpulas América do Sul-África também merece ser reeditada.
A nova geração de lideranças sul-americanas é sensível a esse intercâmbio.
Nossas regiões têm forte interesse na reforma da governança global. As instituições atuais refletem um mundo de oito décadas atrás.
O Conselho de Segurança da ONU tem perdido legitimidade. É preocupante que ele se pronuncie cada vez mais sobre assuntos que dizem respeito a todos, como clima e saúde, sem que grande parte do mundo em esteja devidamente representada na sua composição.
O Brasil tem lutado para que países em desenvolvimento tenham assento permanente no órgão. Isso inclui, naturalmente, países africanos.
A busca pela paz não pode ser prerrogativa de países desenvolvidos. Existem exemplos de mediação bem-sucedidos na África e na América Latina. Há espaço, nas diversas regiões do mundo, para iniciativas que complementem os esforços da ONU.
Algo semelhante ocorre com as instituições financeiras internacionais, que não têm atendido às necessidades dos países em desenvolvimento.
Muitos ainda se veem pressionados por condicionalidades e asfixiados por dívidas impagáveis.
Queremos que o Banco dos BRICS se consolide como alternativa de financiamento e vamos fortalecer nosso engajamento com o Banco Africano de Desenvolvimento.
A partir de dezembro, o Brasil ocupará a presidência do G20. Já contamos com a participação da África do Sul, mas a representatividade do grupo pode ser ampliada com o ingresso da União Africana e de outros países do continente. Esse foi o compromisso que assumi com o presidente Comores, que lidera este ano a organização, na recente reunião que mantivemos em Hiroshima.
Como anfitriões da COP 30 do Clima, em 2025, trabalharemos juntos para assegurar o cumprimento dos compromissos assumidos pelos países desenvolvidos em matéria de financiamento e transferência de tecnologia. O imperativo de proteger as duas maiores florestas tropicais do mundo, a Amazônica e a do Congo, nos torna protagonistas na agenda climática.
Senhoras e senhores,
Nossa relação com a África é uma política de Estado que perpassa o conjunto da sociedade brasileira.
Será conduzida como prioridade pelas distintas pastas do governo, com o engajamento ativo da academia, dos meios de comunicação e da sociedade civil.
Precisamos ir além do que fizemos e ampliar nossa presença na África de forma duradoura. Isso significa abrir embaixadas e centros culturais e expandir escritórios locais de instituições brasileiras como a Embrapa, a APEX, o SENAI e a Fiocruz.
Significa, também, apoiar a internacionalização de empresas brasileiras, de forma a responder ao chamado africano por investimentos e gerar conhecimento, emprego e renda.
A maior presença de embaixadas africanas no Brasil é igualmente bem-vinda.
Convido a todos a brindarem comigo pelo reencontro do Brasil com a África, que esteve conosco no passado, está no presente e estará no futuro.
Muito obrigado.