Deputado Eduardo Bandeira de Mello
Por: Eduardo Bandeira de Mello
Deputado Federal e Vice-Presidente de Eficiência Energética da Frente Parlamentar de Recursos Naturais e Energia, e participará em Dubai no final deste mês, da COP – Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas
Publicado
22/11/2023 às 12:49
O Etanol voltou ao debate público com a agenda da descarbonização, principalmente após Brasil, Índia e Estados Unidos pretenderem lançar formalmente uma Aliança Global para os Biocombustíveis (Global Biofuels Alliance, GBA) à margem da cúpula do G20, em setembro em Nova Deli, pavimentando o caminho para o etanol.
Há dois tipos de etanol para uso automotivo para diferentes aplicações e sujeitos a políticas diferentes: o etanol hidratado, e o etanol anidro. O etanol hidratado, que contém cerca de 5% de água, foi adotado no Brasil na segunda crise do petróleo para substituir a gasolina. Como aciona o mesmo tipo de motor que a gasolina (Ciclo Otto), inicialmente os carros eram adaptados em oficinas autorizadas e, em 1979, a indústria passou a fabricar carros a etanol.
A opção pelo etanol hidratado se deu porque, além de ser mais barato que o anidro, a presença da água aumenta a eficiência do consumo. Assim, nos anos 80, os carros a etanol eram 15% mais eficientes que os equivalentes a gasolina quando se considera os poderes caloríficos dos dois combustíveis. Com as tecnologias de injeção direta, turbo e outras hoje disponíveis, a eficiência pode ser ainda bem maior.
Já o etanol anidro é misturado à “Gasolina A” produzida nas refinarias para produzir a “Gasolina C” vendida nos postos brasileiros com o duplo objetivo de aumentar a octanagem da gasolina e reduzir as emissões de poluentes do combustível fóssil. Essas propriedades do etanol são conhecidas há muito tempo, mas só no corrente século, com a liderança dos EUA, o etanol anidro passou a substituir, na maioria dos países, produtos altamente poluentes e de origem fóssil, como o chumbo tetraetila que foi dos maiores problemas de saúde pública.
A proporção do etanol anidro misturado com a gasolina no Brasil é de 27,5%, bem maior que a usada nos EUA, de 10%. Essa proporção maior tem o objetivo de criar um mercado mínimo para o etanol produzido no país. Embora essa política substitua o combustível fóssil, o uso do etanol anidro numa proporção maior que a necessária para os objetivos técnicos, como o aumento da octanagem, tem o inconveniente de reduzir a eficiência quando utilizado em motor projetado para gasolina. Como o etanol anidro resulta do processamento de etanol hidratado que consome energia, o ideal seria usá-lo na forma hidratada.
No entanto, a produção global de biocombustíveis sustentáveis até 2028 está ocorrendo a menos da metade da taxa necessária para que a meta de emissões líquidas zero seja alcançada até 2050. Ou seja, essa produção deveria triplicar até 2030 para ajudar a reduzir as emissões de caminhões, aviões, navios e veículos de passageiros novos e existentes que têm poucas outras opções de mitigação.
Uma solução mais rápida e viável é, portanto, aumentar a eficiência da utilização do etanol. Atualmente, o uso do etanol hidratado em motores “flex” projetados para usar gasolina, mas que podem usar, também, etanol hidratado, têm como consequência, a autonomia média do de cerca de 70% da observada com gasolina. Essa ineficiência tem um custo elevado tanto para os motoristas que usam apenas etanol quanto para o meio ambiente. Perdem também os produtores do combustível renovável cujo consumo é mais fortemente afetado pelo preço da gasolina, em vista da menos autonomia mencionada.
Um salto na eficiência no uso do etanol no Brasil, portanto, não depende de modificar o combustível, mas do país voltar a produzir carros otimizados para o etanol hidratado. O problema é que sucessivas políticas para a indústria valorizaram apenas o motor flex, ineficientes para o etanol hidratado. Incentivos fiscais para a indústria não diferenciavam o motor otimizado para o etanol puro do flex. Só muito recentemente as alíquotas dão um peso diferenciado para estabelecer as alíquotas para os veículos a etanol puro.
Um efeito que já se faz notar foi o anúncio da Stellantis, que vai fabricar carros a etanol que deverão ter a mesma autonomia que um carro semelhante, a gasolina. Julgando pela experiência passada, a iniciativa será seguida pelas demais montadoras, dado o baixíssimo nível de emissões, por serem compatíveis com o poder aquisitivo dos brasileiros e o mercado potencial pois mais de 6 milhões de consumidores se abastecem apenas com o etanol hidratado.
A notícia já seria muito boa, mas é possível prever ainda outras vantagens, como usar os motores otimizados para o etanol como acionadores primários de sistemas de tração híbrido elétrica para substituir diesel nos transportes pesados. Em um momento que se propõe o uso do hidrogênio verde para essa finalidade, é improvável que consiga competir com o etanol hidratado nos transportes em longas distâncias.
O Brasil é um país reúne vantagens e condições para contribuir na superação da crise energética e ecológica do planeta, através da exploração da energia da biomassa, e o etanol já é uma tecnologia consolidada e disponível. Os países hoje hegemônicos, todos situados em climas temperados, não têm condições de alcançar uma autonomia energética. O etanol deve deixar de ser combustível do Futuro para, assim, virar o combustível do presente.